Em meio à confusão de cores, formas e tamanhos
que meus olhos encaram na estante abarrotada de livros, tento identificar qual
é o sentimento que me move na busca por um autor, uma história que pode invadir
meu coração, preenchê-lo de significados distintos e sensações que assumem luz
desconhecida, e por isso mesmo excitante. Meus sentidos apontam para um
exemplar em especial: "É este aqui". Afasto os livros que se situam
entre o meu novo livro favorito; esse trabalho exige um pouco de esforço, mas a
recompensa é válida. Não sintam inveja, amigos, pois retornarei a vocês em
breve. Deslizo suavemente meus dedos sobre a capa limpa e recém-tirada da
embalagem, as marcas do tempo ainda não são perceptíveis na minha relíquia de
culto, no conjunto de histórias de vidas que aquelas páginas contêm. Confiro se
há algum defeito na lombada ou alguma mancha engordurada praticada por um
meliante que insiste em se manter oculto. Feitas as investigações preliminares,
vou para as orelhas do livro e a contracapa.
Não consigo acompanhar a velocidade de meus
olhos, eles parecem percorrer longas distâncias à procura de algo que não sei
bem o que é. Exercito minha paciência seguindo meus instintos para saber em que
pode resultar essa busca frenética. Após sentir-me esbaforido e necessitando de
algum cuidado (não quero causar problemas para os outros), recolho-me para um
lugar tranquilo no qual eu possa estabelecer uma comunhão com o autor do qual
pretendo ser amigo, confidente de todas as horas, me apegar à algo ou alguém
que desperte em mim a urgência em saborear cada página, cada linha
tortuosamente trabalhada, lapidada. Acho que estou me excedendo um pouco;
melhor retornar à atividade primeira.
Em busca de reclusão, quase sumo no emaranhado de
estantes e livros que me rodeiam. Na verdade sou lançado a outra dimensão, em
que as noções de tempo e espaço para mim não existem. Agora é a hora: é tudo ou
nada, pois é assim que considero esse momento, o instante no qual colocarei à
prova minhas próprias convicções sobre o texto, sobre o impacto que a palavra
escrita exerce para esse pobre mortal. Avanço com certa imperícia, pois não sei
em que estrada vou terminar, na encruzilhada entre decidir se continuo ou não
minha jornada em questão. Veja bem, minha tarefa é executada com algum sucesso:
continuo firme no andamento da leitura. Minhas mãos já se tornaram íntimas
daquele amontoado de folhas de papel condensadas, meus olhos já estabeleceram
perigosa cumplicidade com o tipo de fonte a ser utilizada, do tamanho das
palavras que se exibem para mim de maneira promíscua. Sinto que já estou sendo
fisgado, vai ser difícil me livrar dessa tentação. Retomo a consciência, coloco
os pensamentos em ordem, deixo o ar oxigenar meu corpo para que eu possa
retomar meu caminho sem vacilações. Ainda há algo que preciso saber antes da
dar o veredicto final. Para tal, insisto mais um pouco na leitura. É o momento
em que sei que estou fazendo a escolha certa. Estabeleço um breve diálogo com
ela, mesmo que eu não diga palavra alguma. Ela não me conhece, talvez nem saiba
que estou invadindo sua privacidade, sei que ela se deixa revelar através de
suas ações e de seus pensamentos conflitantes. No fim das contas ela parece ser
como eu, apesar de sermos tão díspares. De alguma forma, me sinto conectado a
ela; ela desperta em mim o desejo necessário para acompanhá-la até quando for
da vontade do escritor, esse cafajeste que brinca com nossas emoções. Acredito
que estou pronto. Percebo que a personagem em questão tem algo a me dizer que
vai além do já conheço. Existe uma novidade ali a me desconcertar, um chamado
para descobrir com meus próprios olhos os rumos da história, pois também é a
oportunidade de saber em que ponto vou me encontrar quando nos separarmos, o
quão diferente estarei no espaço entre o ínicio e o fim da obra que assumo como
minha obra. Está feito. A partir de agora, assumo os riscos, fui assombrado de
todo tipo de alerta, mas nesse momento tenho aversão a todo tipo de precauções,
pois a única alternativa é me atirar do topo do precipício sabendo que serei
outro quando voltar à realidade.
*Essa Crônica foi escrita por Mozart Neto, novo colunista do blog.
Mozart tem dois blogs nos quais escreve, acesse:
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